sexta-feira, 30 de julho de 2010

Dois Lados De Um Segredo


Talvez eu esteja em um mundo em que amar é contra a lei, e que o único complemento plausível do verbo sentir é vontade. Talvez eu tenha entendido que invejado é o que eu mais quero ser, e que conhecer é o melhor passatempo de uma vida. Talvez eu tenha entendido que eu não sou um esquecido, apenas ainda não fui lembrado. Talvez eu queira estar em vários lugares, ou talvez eu possa me fazer estar em vários lugares. Talvez eu tenha ficado frio, ou talvez eu tenha vestido uma armadura contra a frieza do mundo. Talvez ela tenha me causado efeito contrário e me fez prender em mim mesmo, ou talvez esse seja justamente o efeito desejado. Talvez eu tenha entendido que o verdadeiro lar da perfeição é a simplicidade, e que o verdadeiro lar da satisfação é a mente.

Talvez eu tenha notado que a beleza atrai, mas a inteligência fascina. Talvez eu tenha entendido que o verão pede tudo mais gelado, inclusive o coração; e que o inverno pede tudo mais quente, inclusive o corpo. Talvez eu tenha entendido que o mundo quer que eu viva pra ele, mas que eu mesmo quero que eu viva tão somente pra mim. Talvez eu tenha me dado conta que viver é uma arte, e que não adianta ser apenas mais um amador. Talvez eu tenha ficado egoísta, ou talvez eu tenha entendido que eu sou o único que vai lutar por mim. Talvez eu tenha entendido que o infinito não existe, mas que eu posso ir quão longe eu quiser. Talvez eu tenha percebido que lembrar não depende do viver, mas que lembrar é viver. Talvez eu tenha ficado perfeccionista, ou talvez eu tenha encontrado qualidade suficiente pra me dar ao luxo de exigir. Talvez eu tenha entendido que o coração não foi feito pra bater por pessoas, e sim por momentos. Talvez eu tenha ficado insensível, ou talvez eu tenha finalmente aprendido a viver.

Talvez o mundo tenha me feito assim, ou talvez isso seja apenas uma desculpa pra que eu possa ser exatamente como eu sempre quis.

sábado, 24 de julho de 2010

Destino.


Bancos, botas, malas. Rostos, rendas, cimento. Ternos, trens, pessoas. Lá fora houve algo que me fez descer. Eu passo pelas escadas rolantes, sento e paro. O tic-tac do relógio pregado acima de mim não é capaz de me informar quanto tempo se passou. Ou quem sabe ele seja, mas eu prefiro acreditar em minutos próprios, não por egoísmo. A ponta de sanidade que habitava meus pensamentos resolveu explorar a dimensão da plataforma: talvez a aglomeração das seis horas da tarde a tenha distraído. Cá do outro lado só me resta rezar para que ela não tenha sido conquistada por nenhum suéter exausto que lhe ofereça abrigo mais confortável do que o meu, o que não lhes seria uma tarefa árdua.

As memórias cruzam a catraca da entrada e fitam-me, obstinadas a pôr um fim no único motivo que me levou a estar ali. Minha paz corre perigo e eu não sei quanta força pretendo usar pra rebater este projétil. Sentam ao meu lado e abanam a cabeça negativamente ao meu primeiro sinal de inquietação. Elas bem poderiam fugir e recrutar outro anfitrião, mas preferem a arrogância dos meus passos. Chega. Eu não quero mais subir no palco para apresentar uma peça dirigida pelo passado. Eu tomei um novo rumo, sem rumo. Eu procuro um novo lar, sem casa. Eu quero um novo amor, sem alma.

Oito e meia da noite. Saguão vazio, cheio de mim. Ao último anúncio da última partida, meus pés começam a trilhar um caminho em qualquer direção que não seja a circular que insistia em estagná-los antes dali. Atravesso o vão do precipício e subo no trem. Vou desvendar meu novo eu, sem hesitar descer em alguma estação cujo banco não me pareça confortável o suficiente. Onde é que eu vou parar? Eu não gosto de planos: isso não me importa agora.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Sobre Corpo e Alma


Entregue-se e entenda que amor requer amar. Apaixone-se e entenda que amar não requer amor. Para encontrar o amor é preciso buscar a perfeição. Para buscar a paixão é preciso encontrar a perfeição.
Amor é longo, paixão é ligeira. Amor é acaso, paixão é gosto. Amor é lembrar, paixão é recordar. Amor é olho, paixão é toque. Amor é flutuar, paixão é rastejar. Amor é sempre, paixão é quando. Amor é interno, paixão é concreta. Amor é de dizer, paixão é de mostrar. Amor é letra, paixão é número. Amor é cara, paixão é lábio. Amor é lindo, paixão é boa. Amor é sorriso, paixão é riso. Amor é substantivo, paixão é adjetivo. Amor se esbarra, paixão se encontra. Amor é a porta, paixão é a janela. Amor dá saudade, paixão dá vontade. Amor é novela, paixão é filme. Amor é mágica, paixão é arte. Amor é de sentir, paixão é do sentir.
Amor é a música que vem do outro, entra pelos olhos e chega ao coração. Paixão é a música que vem de dentro, sai pelos olhos e transborda ao outro. Amor é chuva de felicidade, paixão é chuva de prazer. Amor é a montanha que se engrandece aos olhos de quem se aproxima, paixão é o lago que transborda aos olhos de quem navega. Amor é romance, paixão é conto. Amor é aquecer, paixão é esquentar. Amor é suspiro, paixão é arrepio. Amor é de momentos, paixão é do momento. Amor é pra quem ama, paixão é de quem ama.

sábado, 10 de julho de 2010

Além Do Que Se Vê

O marrom das construções tomava as calçadas e se estendia até o meio da rua: o único lugar capaz de refletir no vidro do carro uma cor que não demonstrasse monotonia era o céu, mas o espaço reservado pra ele era praticamente um quinto da extensão das janelas. Para grande parte das pessoas, aquela palavra chamada “beleza” havia sido exilada daqueles bairros periféricos. Porém pra mim, ali havia tanto brilhantismo quanto nos outros lugares agitados da cidade ou quem sabe ainda mais. Estas eram ruas onde se via o comportamento humano nu aos próprios olhos humanos que batiam de frente, sem ter a prazerosa cortina de incrementos que o dinheiro pode acrescentar.

Ali moravam as reais pessoas, cruas e prontas ou não para a vida, mas que viviam inteiramente para o momento presente, pois o passado havia sido ainda mais miserável e o futuro era uma peça bastante incerta em suas vidas. “Qual será meu tempo de vida?” Corações divididos entre descobrir ou não. Talvez nem eles mesmos quisessem saber a resposta. Ou até tivessem essa vontade, para que assim pudessem ter exata noção de quanto tempo mais teriam de aguentar o sofrimento como personagem principal em suas melancólicas existências. O medo parecia tomar conta do seu futuro. Mas medo de quê? Medo de tudo que o nada pudesse trazer, ou melhor, continuar trazendo. Nunca tiveram muita coisa, e por isso estavam acostumadas à realidade dura e fria da vida. Mas justamente por saber na pele como era viver sem nada, elas tinham medo de viver – e dessa vez eu me refiro a um tempo mais longo, de preferência até o final de suas vidas, e tão provável quanto este fim – com todo esse nada que nunca tinham sido capazes de conquistar. Existir era uma coisa paradoxal: eles tinham o sonho de viver bastante para poderem ver suas vidas mudarem como num conto de fadas, mas tinham medo de que não vivessem estes tais contos. E no fundo eles sabiam que essas histórias só estão disponíveis nas bibliotecas.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Passos

Pernas e coração acelerados. Naquele minuto, tudo que passava em sua mente era aonde iria chegar e quando poderia parar. Só havia uma única coisa que a incomodava mais do que correr feito uma fugitiva: era ser seguida como uma fugitiva. Quanto mais ela tentava se afastar, mais era seguida. A cada esquina que dobrava, parecia que tudo havia ficado na rua de trás. Mas poucos segundos depois, aquela multidão fazia a curva e relembrava-a que ela não estava sozinha. E que estar sozinha era um luxo que não mais estava ao seu alcance. Nem apagando as luzes das calçadas, os impasses paravam de correr atrás dela. Nem a neblina do nascer do dia, ou o cansaço de toda uma madrugada a correr. A baixa temperatura das manhãs de inverno, os gritos de apelo, a ajuda dos amigos, as lágrimas que escorriam do seu rosto, o desespero, nada. Nada era capaz de libertá-la. Algo me diz que nem a velocidade da luz seria capaz de afastar-se daquilo. E agora, talvez eu – e ela, principalmente - tenhamos entendido que não há rua nesse mundo que a faça conseguir esconder-se dos problemas. O passado não se encontra isolado nos lugares por onde passou, há uma corda que o liga às pessoas. Um fio que insiste em não arrebentar.